15 outubro, 2008

SUICÍDIO, LINHA DE FRONTEIRA

Saul não foi um herói paradigmático, embora trágico, por isso a sua morte é sem louvor bíblico. Embora David tenha feito uma elegia para o Livro dos Justos, mas essa morte entra no acto deplorável e não recomendável do suicídio. E um suicídio levou a outro.
"Então, Saul tomou a espada e se lançou sobre ela." (1 Samuel 31:4)
Algumas culturas muito posteriores iriam ver este acto de Saúl e do seu escudeiro como uma maneira honrosa de escapar a uma situação de derrota e de vergonha Em todo o caso, a Bíblia Sagrada, sem julgar moralmente os suicidas, refere apenas quatro declarados actos de aplicação da morte a si próprio, sendo ires de personagens marcantes: Saúl, Aitofel e Judas Iscariotes.
O vocábulo não é remoto, embora no latim se dissesse suicídio caedere. O termo foi criado ou usado pela primeira vez em 1737 por um historiador e jornalista, o abade francês Pierre Desfontaines, contemporâneo e antagonista de Voltaire, e baseia-se na junção das palavras suas (si mesmo) e acederes (acção de matar). Remoto é. contudo, o acto em si. E no Velho Testamento o suicídio de Aitofel, apesar de antigo, dir-se-ia que já possui «n si mesmo os contornos de um suicídio moderno.
Aitofel chega acasa, pondera sobre as impossibilidades de Absalão sair vencedor, arruma os seus papéis, guarda a sua componente de traição a David e enforca-se. Deixou uma nota de suicídio? Desconhece-se, embora as razões do seu acto limite estejam divulgadas em pormenor no Segundo Livro de Samuel! (17:23).
UM TERMO SOCIAL QUE NÀO SE DESVINCULA DA FILOSOFIA
O suicídio é sempre um atentado contra o Ser. Com um significado de desespero e como um linha de fronteira, entre o ser e a sua essência. Certo poeta e dramaturgo marselhês. do século XX. recomendou mais a si próprio do que aos outros: "antes de me suicidar exijo que me assegurem a respeito do ser, eu gostaria de estar seguro a respeito da morte". Este escritor surrealista, Antonin Artaud. teve a coragem de escrever um livro invulgar em que acusa a sociedade de ter suicidado Van Gogh. Mesmo este. ao suicidar-se com 37 anos, escreveu uma mensagem (nota de suicídio) em que dizia: "A tristeza nunca vai embora"
Afigura-se sempre, do lado do observador social, que o suicida é aquele que procura uma saída. O primeiro rei israelita procurou-a. Tal foi também o caso -estudo da história da Literatura anglo-saxónica, no âmbito dos poetas -depressivos, com o suicídio de Sylvia Plath aos 50 anos, em 1963/
O grande mártir da Teologia protestante Dietrich Bonhoeffer escreveu no seu livro "Tentação" que o "suicídio é o último acto do drama da tristeza" e apontou o "'pecado da tristeza" como um desespero/ desesperativo.
SEM SAÍDA OU 0*HUIS CLOS"DE SARTRE
Em qualquer caso de suicídio, que implique sempre a tomada de consciência do acto na linha de fronteira do desespero, que é 'o desejo de nos desembaraçarmos do nosso eu", uma espécie de anseio por um repouso sem conflito, existe sempre a ideia de que se está a fugir da existência, salvo nos casos de suicidas com gravíssimas patologias mentais.
Tanto pensadores cristãos como Paul Tillich ou ateus como Jean-Paul Sartre, falam da impossibilidade de fuga a nós próprios ou fugir de algo ou de "um quarto" sem saída. Deste último a conhecida peca "luís Cios" ("Portas Fechadas"), agnóstica e existencialista, trata do sentimento do ser humano fechado com a sua culpa e a dos outros, numa espécie de quarto que é o "inferno" de Sartre, sem saída. As três personagem estão "mortas" e têm que suportar a convivência e a culpa, concluindo para si que o "inferno são os ou e uma peça literária de desesperança, com ai verdade consequente no momento em que uma personagens tenta matar a outra, é-lhe dito: "O estás tu a fazer? Tu sabes muito bem que esta mortas. Nada nos poderá voltar a matar, facas, vem cordas. Estamos mortas para sempre." Naquele m / inferno fechado nem o suicídio seria possível
O CONFLITO COM O PRÓPRIO SER. SEGUNDO TILLICH
Num acto suicida estão implícitas questões com vida x morte, presença x ausência, e elas fazem acto perpetrado um enigma. A morte natural.
Por doença, não pode ser considerada enigma, face ã causa bíblica e ontológica da morte (o Pecado), ainda que se pensar que se morre sempre demais' cedo ou demasiado tarde.
Mas o suicídio é uma pretensa Como uma forma de o homem se livrar si mesmo, considera o teólogo protesto Paul Tillich. de resto como uma t impossibilidade. Porque ê também auto-regulação da vida. De acordo Tillich é a Fé que dá coragem para apesar das aflições, problemas e tragédias ! que se abatam sobre o Ser. a coragem essencial ao Ser.
Por isso mesmo, o atentado do humano à sua existência entra dimensão teológica e bíblica. Com perspectiva, as reacções ao suicídio, longo dos séculos, têm variado de cul" para cultura. Em muitas religiões, o ê considerado pecado. Tratando-se uma interpretação correcta, não é estranhar que Agostinho de Hipona te hiperbolizado a exegese ao afirmar que cristãos não podem cometer suicídio, este está também compreendido no mandamento mataras (Ex 20,13).
Porém, tal disputa em torno do suicídio é que " sempre relegada para o terreno do social e das patologias ! mentais.
Mas se a previsibilidade social deste atendo nem sempre está patente, existem hoje, sobrei hoje numa sociedade mergulhada em depressão falta de esperança, alegadamente sem saídas, ai indicadores de risco: "Tentativa anterior ou fantasias de suicídio. Disponibilidade de meios para o suicídio Ideia de suicídio abertamente falada. Preparação um testamento. Luto pela perda de alguém pró--História de suicídio na família. Pessimismo ou falta esperança. Jovens suicidas."
E sobretudo, é preciso que se atente para um fenómeno cada vez mais pressionam do homem e da mulher modernos, o que os especialistas consideram como BordeHine. A Perturbação de Personalidade Limite (PPL) que produz um equivoco perigoso, a instabilidade estável, que leva a estado» de auto-mutilação diversos que podem culminar com a concretização máxima do suicídio.
Normalmente è apresentada no humor, nos relacionamentos com os outros, na imagem que se tem de si mesmo, no comportamentos mais diversos na vida familiar e profissional.
Apesar de uma Associação Internacional de Prevenção do Suicídio, que estuda e previne o mesmo, os números no mundo continuam assustadores - mais de 5000 por dia -. e. com certeza, desconhecidos os números daqueles que praticam a "delibera-te seja harmonia * (o que designa a intenção de suicídio, ou auto -Ilusão intencionada).
Dramaticamente entre os jovens (dos 15 aos 24 anos) o suicídio é a terceira causa de morte, atrás dos acidentes, homicídios ou mesmo guerras. Segundo o INE. em 2005 houve 910 casos.
Face a estes e outros números que as estatísticas hoje evidenciem (embora os dados do INE deste ano só estejam disponíveis daqui a dois), finalmente, a tautologia da enfermidade humana: desespero desesperado pela incapacidade de ser, tem no Evangelho de Jesus Cristo o antídoto - o Amor de Deus pelo homem.
Mesmo no desespero continua hoje válido o que afirmou Kierkegaard: "Quem desespera não pode morrer. isto é. desenvencilhar-se do "eu", mas !Levá-lo aos pés do Salvador Jesus Cristo. "
Autor do Artigo;
João Tomaz Parreira

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