05 agosto, 2008

O TRATAMENTO MEDIEVAL* DOS JUDEUS

QUANDO A CULTURA DITA CRISTÃ CONTRARIA O ENSINO DE JESUS CRISTO

O modo de tratar os judeus na literatura da Idade Medi não poderia ter em conta a teologia do apóstolo Paul designadamente a Carta aos Romanos 1. As epístolas, afim toda a Bíblia Sagrada, não desfrutavam de grande hospitalida nos cenáculos medievais.

MAS ESTIGMAS VÁRIOS AFLORAM NA LITERATURA MEDIEVAL E VÊM PROPORCIONAR HOJE UMA ANÁLISE DAS ATITUDES PARA COM OS JUDEUS.

AS ANCESTRAIS ACUSAÇÕES TAMBÉM VÊM À BAILA, QUE SÃO DETRACTORES DA VIRGINDADE DA VIRGEM E CULPADOS DA MORTE DE JESUS CRISTO

As realidades sociológicas e os conceitos religiosos, é verdade que mudaram desde o século XIII até aos nossos dias, no que concerne ao tratamento do problema judaico.

Nos Lusíadas (111,72), Luís de Camões vê, apesar de todo um anti-semitismo prevalecente, a "Judeia, que um Deus adora e ama", salvando a relevância desse monoteísmo, não deixando de citar porém do ponto de vista do carácter, um "amor nefando", incestuoso, de Amnom, filho de David, no Canto IX, estância 34. Iludíamo-nos se pensássemos que uma palavra como Renascimento, apesar de todo o humanismo, depois da Idade Média viria a salvar os judeus.

Mas estigmas vários afloram na literatura medieval e vêm proporcionar hoje uma análise das atitudes para com os judeus.

Tais atitudes deduzem-se precisamente de um texto trovadoresco e religioso, cujo enunciador é Afonso X, o Sábio. Foi um dos maiores trovadores e poetas de língua galaico-portuguesa.

A sua obra mais reconhecida é, de facto, as Cantigas de Santa Maria, cancioneiro sacro sobre os prodígios da "Virgem Santíssima".

Ao compor as tabelas afonsinas sobre as posições astronómicas dos planetas até ao seu nome atribuído à cratera lunar Alfonsus, o rei de Castela e Leão deixou também à mistura com o incensário texto narrativo os alegados milagres da Virgem, todo um enunciado seu ou de outrem com sua participação directa, sobre retrato sociológico, religioso e de tom por vezes infiram -humano dos hebreus.

Dentro das cantigas que se encontram conformadas no manuscrito mais importante, o chamado Toledano, p( estar no chamado Códice da Igreja de Toledo, existem nesse corpus vinte e duas composições que fazei referência em maior ou menor medida ao tratamento dado aos judeus.

Seguindo de perto os historiadores da língua e literatura galaico-portuguesa e, designadamente, um estue apresentado por dois investigadores universitários Galiza2, sabemos que da análise desses texto (cantigas) surgiram dois conjuntos, contendo um deles alusões esporádicas aos judeus, e | outro tendo os judeus como base temática. Tal temática possui de tudo, sendo parâmetros negativo ou positivo quando trata, respectivamente, de judeus que não querem converter ao cristianismo ou judeu convertidos à religião de Cristo. Os contrários à religião cristã estão marcada com o ferrete da maldade, da crueldade, da traição e heresia.

Chegados a este ponto, a fragilidade toma com das narrativas, histórias que dão a ver o estado anímico e psicológico dos que inventavam boatos e aleivosa precursores do anti-semitismo primário. Parece-nos que os relatores de tais balelas levadas ao cantar tomava parte do relato, tal a proximidade e promiscuidade de mesmos.

Assim, o que podemos ler:

- Cantiga número IV: Samuel, judeu, pai do menir Abel, mete o seu filho no forno do pão, porque no de Páscoa "fora o xudeíno" com os seus companheiros uma Igreja dos cristãos, e ali recebera "unha comunidade mais doce que o mel, da própria mansão da Virxe Maria". A história, em forma de cantiga, culmina com a intervenção dos vizinhos cristãos que tiram o menino do forno e metem lá o pai, como castigo pela sua "crueldade".

O registo tem o mesmo tom nas demais cantigas e nelas se faz constar sempre que "os judeus som também mala xente como os mouros", que têm práticas com o demónio. As ancestrais acusações também vêm à baila, que são detractores da virgindade da Virgem e culpados da morte de Jesus Cristo.

As Cantigas de Santa Maria sobre os actos dos judeus consignam também a relação promíscua entre um género de catolicismo romano medievo e a feitiçaria.

Com efeito, a época era propícia a que se fizesse tal mistura ainda que no terreno "literário", juntando "acções" milagrosas da Virgem e de Merlin. Esta figura mitológica e ambígua aportou ao cristianismo medieval, quando se tratou também de exorcizar o mal judaico, e assim até o recurso a um bruxo foi aceitável nesse tempo. Dir-se-ia que se não uivamos contra os lobos, uivamos com os lobos, como escreveu noutro sentido e noutra época Ernest Junger.

- A Cantiga III surge-nos, usando como figura central não a Virxe Santa Maria, mas Merlin (o mago de origem escocesa do circulo dos romances de cavalaria, Rei Artur e Távola Redonda, como se sabe). E reza assim: Merlin decide castigar um judeu através do filho, fazendo que este nasça com a cabeça virada para trás (símbolo medieval demoníaco).

Para além do anacronismo e da impropriedade, parece haver o propósito espúrio de "cristianizar" o feiticeiro, porque toda essa "acção" é levada a cabo com o intuito de "converter" ao cristianismo o pai do recém-nascido.

Finalmente, houve nessas Cantigas de Santa Maria, de Afonso X, o acto "pedagógico" de fazer ensinar aos Judeus que deviam deixar a sua crença e tornarem-se cristãos. É que nas cantigas nas quais as personagens da raça judaica se convertem ao cristianismo, toda a qualificação moral, social e até genética muda. De maus, os judeus passam a bons, da "crueldade" alegadamente típica da raça passam para a bondade.

Não foi de admirar pois que o massacre dos judeus portugueses de 1506, cujo memorial se evocou em Lisboa estes dias, tenha assassinado entre 2000 e 4000 pessoas de raça judaica. Foi a Matança da Páscoa, em plena Semana Santa, entre 19 e 21 de Abril, no Largo de São Domingos.

Nota ----

1 Romanos 3: 1,2

2 Actas de Literatura Medieval. O Tratamento dos Judeus nas Cantigas de Santa Maria, estudo apresentado peia Universidade da Coruna ao IV Congresso da Associação Hispânica de Literatura Medieval, em 1991.

Autor do Artigo ,

João Tomaz Parreira

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