23 maio, 2008

Governo quer mais justiça na religião

O matutino "Correio da Manhã", de 13 de Maio de 1996, publicou um artigo na página 20 sobre a reforma da lei de liberdade religiosa que o Governo Português deseja fazer. A jornalista Lurdes Sousa entrevistou o Dr. José Dias Bravo, distinto Juiz e Presidente da Aliança Evangélica Portuguesa.
Tomamos a liberdade de transcrever o referido texto, no qual podem verificar-se as discriminações de que são vítimas as confissões religiosas não católicas romanas
A liberdade religiosa está longe de ser um direito efectivo em Portugal. A Constituição consagra claramente a separação entre o Estado e as igrejas e proíbe qualquer discriminação com fundamento religioso, mas os dois diplomas jurídicos fundamentais sobre a matéria, a Concordata celebrada com o Vaticano e a lei sobre liberdade religiosa de 1971, separam o regime jurídico da Igreja Católica do das outras confissões religiosas. Numa tentativa de superar esta discriminação, o Governo criou recentemente a Comissão de Revisão da Lei de Liberdade Religiosa. Uma iniciativa que deixou claramente satisfeita a Aliança Evangélica Portuguesa (AEP).
Em declarações ao Correio da Manhã, o presidente da AEP e também vice procura -dor - geral da República, José Dias Bravo, considerou que o fenómeno religioso tem sido muito esquecido em Portugal, pois a última lei sobre a matéria, cujos alguns segmentos estão ainda em vigor, data de 1971 e não contempla o direito de liberdade religiosa em toda a sua amplitude. Em sua opinião, esta iniciativa do Governo é uma atitude de "grande coragem" pois, até hoje, ninguém se tinha atrevido a tocar neste tema. À excepção de Francisco Sá Carneiro que, segundo afirmou, foi "um grande companheiro de jornada nos difíceis anos de 70". O Governo criou agora a Comissão de Reforma da Lei de Liberdade Religiosa que deverá proceder à audição de igrejas e confissões religiosas, efectuar consultas junto dos vários departamentos governamentais e apresentar, dentro de seis meses, um anteprojecto de diploma. Para José Dias Bravo, um dos pontos
mais difíceis desta reforma vai ser o de decidir a organização das diferentes igrejas.
A AEP considera que o método seguido pelo Governo espanhol, que já resolveu este problema e em 1980, seria o mais aconselhável para Portugal. Tendo em conta o número de crenças religiosas existentes em Espanha, o Estado estabeleceu acordos e convénios com as igrejas, confissões e comunidades religiosas que, pelo seu âmbito e número de crentes, alcançaram uma notória inserção social. Para além disso, foi também criada a Comissão Assessora de Liberdade Religiosa, composta de forma paritária por representantes do Estado, das igrejas e comunidades religiosas, cuja função consiste em coordenar todo o processo.
José Dias Bravo defende que o Estado português também deve celebrar estes protocolos para que a liberdade religiosa passe a ser efectivamente para todos e para que terminem as discriminações. Para que tal aconteça, considera que não é necessário alterar a Constituição nem atacar a Concordata, embora, em sua opinião, esta seja inconstitucional à luz dos princípios da igualdade. O problema é que a Concordata cria para o Estado deveres especiais. Por um lado, o de respeitar o acordo em relação à Igreja Católica, por outro, o de criar condições de igualdade às outras confissões religiosas "que até agora não tem sido respeitado".
Para que a liberdade religiosa seja uma realidade, José Dias Bravo considera que a reforma da lei sobre a matéria terá de acabar com as desigualdades que actualmente se verificam em relação às confissões religiosas não católicas. A primeira "discriminação -base" que apontou tem a ver com o facto de as igrejas não católicas terem apenas o estatuto de associações religiosas. Trata-se, em sua opinião, de uma discriminação organizativa que, uma vez ultrapassada, será um bom ponto de partida para a resolução de outros problemas.
Para além disso, há também uma discriminação estatutária. Os pastores e obreiros não têm livre acesso aos hospitais, aos estabelecimentos prisionais e a todos os lugares onde se pratica o bem público. A Igreja Católica, acrescentou, até tem legislação que regula esse acesso, "enquanto nós não temos legislação nem temos, muitas vezes, os directores dos hospitais e das cadeias com boa vontade para aceitarem a nossa presença".
Mas, as discriminações não ficam por aqui. A Igreja Católica beneficia de uma isenção total de impostos e as Igrejas Evangélicas não. De acordo com o presidente da AEP, a administração fiscal trata as igrejas não católicas como entidades patronais e os pastores como trabalhadores, como se tratasse de uma multinacional ou uma pequena empresa.
Em matéria de Educação a situação não é melhor. Segundo José Dias Bravo, o ensino da religião e moral evangélica já começou a ser disciplinado a título experimental em cerca de 80 escoas, só que falta um despacho do Ministério da Educação para que essa situação passe a ser definitiva.
A AEP espera agora que a reforma da lei de liberdade religiosa permita superar estas discriminações e que o princípio da igualdade consagrado constitucionalmente seja respeitado

Autor do Artigo ;:
LURDES SOUSA

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