06 maio, 2008

EUTANÁSIA

Morrer com dignidade"
"Digno" vem do latim dignus que, na origem, significa "merecendo". O facto de se viver terá a ver com merecer, pelo comportamento e pelo aspecto? Parece-me em absoluta contradição com a noção de"Justificação pela Graça"que está no âmago da mensagem de Paulo e foi insistentemente retomada pela reforma.
A nossa existência é justificada pela graça e não pela dignidade com a qual nós vivemos. Temos o direito de viver, quando nos julgamos indignos e mesmo quando somos, de facto, indignos. A vida não tem que ser merecida. É-nos dada por nada, sem termos que dar nada em troca, o que quer que seja.
O facto de decidir a sua própria morte poderá ser considerado como um acto de dignidade? No desejo de viver com dignidade vejo a pretensão de querer dispor da sua morte e de a transformar num acto voluntário. Será bom lembrar as palavras de Job, que se é Deus que dá a vida, só a Ele compete tirá-la13. Podemos ainda dizer, de forma laica "não escolhemos viver, não temos o direito de escolher morrer"14
"MORRER SEM SOFRER"
É certo que a vida não é só uma realidade biológica. Implica um mínimo de relações, de interacções, consigo próprio e com os outros, bem como uma certa sensibilidade ao prazer. Mas quem pode afirmar que o prazer de viver desapareceu completamente? Podemos recordar a fábula "A Morte e o Lenhador"de La Fontaine. O lenhador esgotado, chama a morte, mas logo que ela surge ele foge.15
A verdade por detrás da eutanásia.
Somos confrontados com uma velhice longa, tanto mais que um dos efeitos perversos da medicina é prometer-nos uma vida cada vez mais longa e uma morte cada vez mais lenta. Do que se tem medo é de um dia ficar surdo, cego, mudo, entrevado, paralisado, incontinente, transportado da cama para o sofá e do sofá para a cama, teme-se, sobretudo, o risco de morrer na solidão e no abandono!'6
A nossa atitude de respeito e de atenção e a ternura que lhe manifestamos permitem-lhe, por sua, vez que ele nos manifeste a sua gratidão e a sua afeição. Permanecemos assim, em relação até ao fim. Não será isto a dignidade?
"A Obstinação Terapêutica"
Parece-me condenável, porque decorre de uma espécie de sacralização da vida. A obstinação terapêutica é uma recusa, a qualquer preço, à morte. Para além do mais resulta da violência.17
O facto de "deixar morrer" não é o mesmo que "fazer morrer". O "deixar morrer", limitando ou reduzindo os cuidados a um doente não pode ser considerado confundido com o acto de eutanásia. Procure-se então, não acelerar a morte, mas somente deixar que aconteça o processo natural que a ela conduz inelutavelmente.
Deixar morrer, aliviando ao mesmo tempo o doente, deveria ser reconhecido como um acto completamente lícito.

Nota .
1Levítico 18:1-4.
2 Stott, p.8
3 Mateus 4:17
4 Mateus 4:23
5 Stott, p.9
6 Kempis, Thomas, p.1
7 Engelhardt, pp.24-7
8 Engelhardt, p.30
9 Génesis 19:1-11; Levítico 18:22; 20-13; Romanos 1:24-27; I
Coríntios 6:9-11 e I Timóteo 1:8-10. ,0 João 8-11
TRUESDALE, Al." Preface to Bioethics: Some Foundations for a Christian Approach to Bioethics", de Perspectives on Science and Christian Faith 48:4. The American Scientific Affiliation. Dezembro de 1996. www.asa3.org.
12 Para mais detalhes ver caps.7 a 9 de FUKUYAMA, Francis O Nosso Futuro Pós-Humano, Lisboa, Quetzal
Editores, 2002.
"Job 1-21
"Houziaux, Alain, pp.11-3
15 Houziaux, Alain, p.13
16 Hennezel, Marie de, pp. 134-5
" Houziaux, Alain, p.77
Bibliografia: STOTT, John. Contracultura Cristã, A Mensagem do Sermão do Monte. São Paulo, ABU, 1981, p.8 e p.9. KEMPIS, Thomas. A Imitação de Cristo, p.1. ENGELHARDT JR., H. Tristram. Fundamentos da Bioética Cristã Ortodoxa. São Paulo, Edições Loyola, 2003, pp.24-7 e p.30.
HOUZIAU, Alain. Deve a Eutanásia Ser Legalizada. Porto: Campo das Letras, 2005, pp.11-3, p.13, p.77. HENNEZEL, Marie. Morrer de Olhos Abertos. Porto: Casa das Letras, 2006, pp. 134-5.

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