17 maio, 2008

Pedro e as chaves

Novas de Alegria de Março ponderámos, de maneira concisa, na confissão auricular e respectiva absolvição clerical, com o simples intuito de elucidar os leitores menos informados sobre matéria teologicamente discutida há séculos.
Neste número pretendemos clarificar um pouco mais o assunto, mencionando por exemplo a promessa feita pelo Senhor Jesus a Pedro: "Dar-te-ei as chaves do reino dos céus, e tudo quanto ligares na terra ficará ligado nos céus, e tudo quanto desligardes na terra será desligado nos céus" (1). A Igreja Católica Romana emprega o referido texto, bem como os exarados em Mateus 18:18 e João 20:23, a fim de fundamentar a doutrina do primado do Papa, a faculdade de perdoar ou reter os pecados, etc. Para o catolicismo, as chaves de S. Pedro, ou o poder das chaves, "designa o supremo poder de jurisdição e o poder sacerdotal na administração do sacramento de penitência" (2).
Nas Escrituras Sagradas a palavra chave faia de autoridade, poder, privilégio (3). É normal, em muitos países, uma personalidade ilustre receber das autoridades locais as "chaves da cidade" visitada pela mesma. Trata-se de um gesto simbólico, mediante o qual se reconhece a autoridade do visitante sobre a aludida cidade. Reino dos céus, na acepção teológica, é a esfera do governo espiritual de Deus no mundo, ou a esfera da fé cristã. Em S. Mateus 16:19, Cristo promete a Pedro que lhe daria as chaves do reino dos céus; não as chaves dos Céus ("habitat" especial do Criador, morada dos bem-aventurados), pois o apóstolo não é o guardião do Paraíso, o "porteiro" do Céu, como muitos imaginam. É através de Jesus, e não de Pedro, que as pessoas entram no Céu. Jesus Cristo é a porta da salvação (4), e o único Mediador entre Deus e os homens (5). Quando faleceu Estêvão, quem recebeu o protomártir do cristianismo foi Jesus (6).
A expressão "chaves do reino dos céus", no caso concreto do apóstolo Pedro, significa que este, em virtude de haver confessado a deidade de Cristo, por revelação divina, recebeu a incumbência de abrir formalmente o reino dos céus aos que cressem em Jesus, pelo anúncio da Boa Nova, e fechá-lo (isto é, não admitir declarativamente a entrada) às pessoas que desprezassem a salvação. S. Pedro usou de forma simbólica as ditas chaves no dia de Pentecostes. Ao pregar o Evangelho, abriu a "porta da fé", a "porta da graça de Deus", a porta do reino dos céus aos judeus (7), os quais converteram-se a Cristo formando a Igreja. Utilizou-as outrossim mais tarde na residência de Cornelio, oficial romano, comunicando a mensagem cristã de maneira que os gentios entraram também no reino de Deus ao optarem por Jesus (8).
Em resumo, as palavras do Salvador transmitidas a Simão Pedro nada têm a Ver com o ensino da primazia de Pedro em relação aos restantes apóstolos, ou com a autoridade papal atribuída séculos depois aos pretensos sucessores desse humilde servo de Deus que se considerava um mero presbítero (9). Idêntica promessa do Senhor é feita aos outros discípulos: "Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu" (10). Tais palavras, aqui, estão mais relacionadas com a disciplina da igreja em face da atitude contumaz do ofensor, que nem sequer escuta a mesma no sentido de reconciliar-se com o seu irmão (11).
Se as palavras de Cristo aos discípulos: "Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos" (12) explicam de certo modo o acto de ligar e desligar, segue-se que o texto bíblico de Actos 10:43 poderá ser usado como exemplo do seu exercício. Assim escreveu alguém: "Através da proclamação do Evangelho faz-se o anúncio de que a aceitação confere desligamento da culpa e pena do pecado, e a rejeição deixa o pecado ligado para o juízo".
Analisando-se o trecho de Mateus 16:13-23, conclui-se que após a confissão da divindade de Jesus por parte do apóstolo Pedro, o divino Mestre declara que edificará a Sua Igreja sobre a "pedra" da pessoa de Cristo, ou da confissão da divindade de Cristo. Poucos foram os Pais da Igreja que acreditaram ser Pedro a "pedra" fundamental da Igreja. De acordo com a Bíblia, a "pedra angular" é Jesus (13), sendo os membros da Igreja "pedras vivas" (")
Autor do Artigo ;
Fernando Martins

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